Uma noite de Junho de 1950, um homem vestido de modo insólito foi visto  em Times Square, em Nova Iorque. Na época, o capitão Hubert Rhim estava  encarregado das investigações sobre pessoas desaparecidas. Está  atualmente na reserva e não possui todos os dados sobre o caso, visto  que já não tem acesso aos processos da polícia. No entanto, recorda-se  dos pormenores essenciais. O homem, que parecia ter uns trinta anos, foi  visto no meio da multidão que saía de um teatro. Eram vinte e três e  quinze. O desconhecido vestia inteiramente fora de moda: chapéu alto,  casaco com uma fila de botões nas costas, calças apertadas, aos  quadrados brancos e pretos, sem vinco nem dobra, sapatos altos de  fivela. Ninguém o vira antes. As testemunhas declararam que estava  imóvel no meio de uma encruzilhada, «observando com ar amedrontado os  faróis que se cruzavam, como se nunca tivesse visto nada assim». Por fim  pareceu dar-se conta do tráfego e dispôs-se a atravessar. Um agente da  polícia, de serviço à esquina da rua, viu-o, mas antes de o poder  alcançar o homem dirigiu-se para o passeio sem se preocupar com os  automóveis. Um táxi apanhou-o em cheio e já estava morto quando chegaram  os socorros. Foi transportado para o necrotério, onde foram  cuidadosamente examinados todos os objetos que trazia consigo. Eis a  lista:
Uma moeda de bronze fora de circulação;
A nota de uma  estrebaria de Lexington Avenue (!): «Pela alimentação de um cavalo e por  guardar uma viatura de um lugar, três dólares»;
Setenta dólares em  notas antigas;
Alguns cartões de visita com o nome de Rudolf Fentz,  residente na Quinta Avenida;
Uma carta dirigida ao portador e com o  carimbo postal de Junho de 1876.
Não se conhecia em nenhum  destes objetos nem a patina do tempo nem vestígios devidos a longo uso.  As primeiras investigações permitiram estabelecer que a direção da  Quinta Avenida correspondia a um armazém cujos proprietários declararam  ignorar em que data ali se tinham instalado. Ninguém ouvira falar em  Rudolf Fentz, cujo nome não figurava na lista telefónica. Um controle  referente às impressões digitais, tanto em Nova Iorque como em  Washington, não deu qualquer resultado. O capitão Rhim continuou com as  suas investigações e a sua constância foi recompensada, pois encontrou  na lista telefónica de 1939 um Rudolf Fentz Jr. Foi lá e soube que  Fentz, na época, era um homem de uns sessenta anos, que trabalhava num  banco da vizinhança. Em 1940, reformara-se e mudara de casa. No banco  disseram-lhe que Fentz morrera cinco anos depois, em 1945, mas que a sua  viúva ainda vivia na Florida. Esta, em resposta a uma carta de Rhim,  escreveu-lhe para dizer que o pai do seu marido havia desaparecido  misteriosamente na Primavera de 1876. Com efeito, a senhora Fentz não  gostava que o marido fumasse em casa, de modo que ele tinha o costume de  dar um passeio à noite para fumar um charuto antes de se deitar. Uma  noite não voltou. A família emprendeu longas e dispendiosas buscas, que  não deram qualquer resultado: todos os rastos haviam desaparecido. O  capitão Rhim encontrou mais tarde uma lista das pessoas desaparecidas em  1876 e lá figurava o nome Rudolf Fentz. No momento em que deixara de  ser visto tinha vinte e nove anos. A idade e a descrição do fato que  usava correspondiam exatamente aos da vítima de Times Square. Por muito  inacreditável que possa parecer, a interpretação deste assunto  excepcional mostra que nos encontramos em presença de um exemplo  flagrante, irrecusável, de chrono-transfert instantâneo, ou viagem no  tempo. Por que prodigioso concurso de circunstâncias um homem pôde, sem o  saber, franquear a entrada do interdito, penetrar em qualquer falha do  continuum espaço-temporal - cujo uso se julgava só reservado aos  romancistas de ficção - para percorrer, num segundo, um espaço de tempo  de setenta e quatro anos? E que perda irreparável a morte acidental e  bem compreensível deste involuntário «viajante do passado»! Mas talvez  não seja o único...
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
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